Fonte: Brasil Mineral   |    Data:26/11/2020 (leia na íntegra)

Por Fabio Giusti,  Ana Elizabeth Neirão Reymão, Lucas Paiva Ferraz, Maria Pereira Lima Green e Fernando A. F. Lins

Os Municípios Mineradores podem ser considerados aqueles que apresentam forte dependência econômica em relação à atividade mineral, tanto pela sua preponderância sobre as demais cadeias produtivas e setores da economia, como comércio e serviços, quanto pelo peso da arrecadação incidida sobre a comercialização de commodities, subprodutos e serviços da cadeia produtiva mineral. No Brasil, a principal fonte de arrecadação direta da atividade é a CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, equivalente aos royalties da mineração.

Em 2019, a Agência Nacional de Mineração (ANM) arrecadou das empresas de mineração em todo o país R$ 4,5 bilhões. Desse montante, 60% (R$ 2,7 bilhões) foram transferidos a 2.622 municípios onde ocorre produção mineral, nos termos da Lei nº 13.540/2017. Portanto, a CFEM tem um grande potencial econômico e fiscal não apenas como receita direta para equilibrar os orçamentos municipais e fomentar políticas públicas de bem-estar social, mas também para garantir estratégias de médio e longo prazo voltadas para diversificação econômica local/regional. Por isso, a relação da mineração com seus territórios deve ser planejada sob uma perspectiva temporal que inclua a pós-exploração.

Os principais instrumentos de planejamento e orçamento para a Administração Pública brasileira são o Plano Plurianual (PPA), de quatro anos, e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Esses instrumentos visam, de maneira encadeada, especificar objetivos de longo e curto prazo do governo com ações efetivas e práticas, capazes de corresponder às demandas e necessidades sociais, ao mesmo tempo em que promovem o planejamento e a sustentabilidade das contas públicas. A LDO busca a realização anual dos objetivos apresentados no PPA. A LOA contém uma estimativa das receitas e despesas dos municípios para o ano fiscal seguinte, detalhadas segundo cada órgão público e cada setor governamental. A LOA deve ser elaborada tendo como referência o PPA e a LDO, contemplando as diretrizes estabelecidas nestes dois textos.

Com relação à transparência sobre a gestão da CFEM, a Lei nº 13.540/2017 acolheu a preocupação do legislador ao determinar no § 13 do Artigo 2º: “Anualmente, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios tornarão públicas as informações relativas à aplicação das parcelas da CFEM a eles destinadas, na forma estabelecida na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, de modo a se ter absoluta transparência na gestão dos recursos da CFEM.” (grifo nosso).

O presente artigo tem como objetivo fazer a análise da transparência das Leis Orçamentárias Anuais (LOA), quanto ao planejamento das despesas públicas financiadas com a receita da CFEM dos 15 municípios que mais receberam esses recursos no ano de 2019, segundo os dados disponibilizados pela ANM, sendo três localizados no Pará e doze em Minas Gerais. Entre os dias 20 de agosto e 5 de outubro de 2020, foram realizadas buscas sistemáticas nos sítios digitais oficiais das Prefeituras e das Câmaras Municipais, em seus respectivos portais de transparência e outras seções, que pudessem disponibilizar os documentos integrais das LOAs 2019 e 2020.

Os municípios em análise foram ranqueados segundo o recebimento da CFEM em 2019, de acordo com os dados da ANM, conforme apresentado no Quadro. Cabe ressaltar que o total transferido aos 15 municípios, R$ 2,1 bilhões, equivaleu, em 2019, a aproximadamente 78% dos R$ 2,7 bilhões recebidos por todos os municípios brasileiros que fizeram jus à CFEM; ou correspondeu a 47% de toda a arrecadação da CFEM no país. Portanto, a análise do planejamento e da transparência que se segue é sobre um montante de recursos muito expressivo.

 

Municípios Mineradores e Análise Comparativa das LOAs de 2019 e 2020

Ranking (R) de recebimento da CFEM (R$ Milhões) pelos principais Municípios e análise comparativa das LOAs de 2019 e 2020

LOA disponível em meio digital

O valor previsto da CFEM aparece nas receitas do município

Entre as receitas há um código fonte específico para a CFEM

É possível identificar onde está planejado o uso da CFEM

R

R$ 

Municípios

19

20

19

20

19

20

19

20

1

681

Parauapebas – PA

S

N

S

N

N

N

N

N

2

413

Canaã dos Carajás – PA

S

N

S

S

N

N

N

N

3

172

Congonhas – MG

S

S

S

S

N

N

N

N

4

141

Itabira – MG

S

N

S

N

N

N

N

N

5

124

Nova Lima – MG

S

N

N

N

N

N

N

N

6

95

Conceição do Mato Dentro-MG

N

S

N

S

N

S

N

S

7

92

São Gonçalo Rio Abaixo-MG

S

S

S

S

N

S

N

S

8

79

Marabá – PA

S

S

S

S

N

N

N

N

9

71

Itabirito – MG

N

N

N

N

N

N

N

N

10

55

Mariana – MG

N

S

N

N

N

N

N

N

11

45

Brumadinho – MG

S

S

S

S

N

N

N

N

12

34

Itatiaiuçu – MG

N

N

N

N

N

N

N

N

13

32

Belo Vale – MG

N

N

N

N

N

N

N

N

14

32

Paracatu – MG

S

S

S

S

N

S

N

S

15

30

Catas Altas – MG

S

S

S

S

S

S

S

S

 

Elaboração: os autores do artigo. Fontes: sítios digitais dos Municípios, consultados entre os dias 20 de agosto e 5 de outubro de 2020.

A primeira constatação decorrente da etapa de busca dos documentos é a de que não há um padrão organizacional ou de layout nos sítios dos portais da transparência das municipalidades. Cada administração organiza seus sítios de acordo com lógica e interface própria, o que dificulta um processo padronizado de busca dos documentos para estudos comparativos, como foi o caso desta pesquisa. Como é possível observar no quadro síntese, há municípios que disponibilizam documentos referentes às LOAs, porém não atendem as outras premissas metodológicas para garantir a transparência e o acompanhamento público do processo de planejamento orçamentário,

Cabe destacar o Município de Catas Altas-MG, por atender a todos os critérios analisados em 2019 e em 2020. A seguir, três municípios adequaram suas LOAs de 2020 em relação ao ano anterior, passando a atender os critérios de transparência, são eles: Conceição do Mato Dentro, São Gonçalo do Rio Abaixo e Paracatu, todos em Minas Gerais. Para os demais municípios, verificou-se a ausência de informações e a inadequação no detalhamento das despesas planejadas para os recursos oriundos da CFEM.

Sobre a execução orçamentária, as condições de transparência e a viabilidade do pleno acompanhamento público do uso e destinação da cota-parte da CFEM nos municípios são ainda mais deficientes. Os levantamentos feitos neste estudo mostraram uma acessibilidade precária a informações claras sobre o uso da CFEM na execução orçamentária municipal para todos os 15 munícipios, com lacunas e inconsistências que colocam em questão a eficácia do planejamento orçamentário para o uso desse recurso. Isso dificulta as análises sobre a eficiência na gestão orçamentária pública, uma vez que inviabiliza o cotejamento entre a etapa de planejamento e a de execução fiscal.

Deveria haver a criação pelas prefeituras dos municípios mineradores de um padrão de apresentação das informações sobre a CFEM, com um layout limpo, de fácil consulta por qualquer cidadão com educação fundamental completa, contendo de forma clara tanto o planejamento de uso da CFEM como a execução orçamentária efetivada, alcançando-se assim a absoluta transparência tão almejada na gestão desses recursos e determinada pela Lei n. 13.540/2017.